Tudo Lixo
Impossível percorrer as ruas
Sem temer o brilho escuro das armas, o assalto,
A sombra da pobreza, suja do asfalto.
Impossível percorrer as ruas,
E mesmo em meu quintal confortável,
Minha residência habitual, há o improvável:
Toneladas de lixo espacial, espaçonave descartável
Pairando distraída sobre minha cabeça,
Eu esperando que algo aconteça
Com a cabeça endinheirada dos homens
(pensando nas flores extintas sem nomes).
Impossível percorrer meu peito
Sem esbarrar na pesada culpa
De ser parte do defeito,
De ser quem nada faz, só se preocupa.
Impossível não supor que o homem
Tem por natureza, por instinto,
Mais a voracidade que o pensamento.
Impossível esquecer que a carne
Que ostento em meus ossos e gestos indiscretos
Não será adubo, ou comida, ou carne,
Mas lixo funerário,
Engavetado, empilhado, emparedado no concreto.
Impossível tapar os olhos, fazer de conta.
Impossível não temer o amanhã que desponta.