segunda-feira, 5 de maio de 2008

ESTAÇÃO POPULAR

Eu to olhando o tempo faz um tempo,

Não vejo um movimento, nem uma brisa no ar.

Parece que essa nuvem de fumaça,

não chove, não desembaça, não deixa a gente cantar.


e estas previsões bem inventadas

que nunca acertam nada, vendem falsas estações.

o sol, quando é verdade, brilha forte,

não vai ser nenhum repórter que vai soprar furacões.


então por que não desliga a tevê,

dá uma volta fora e vê se é dia de chuva ou canção?

eu prefiro tomar chuva na cara

do que ver sol da janela e ouvir música em estação ...popular.


debaixo desse sol não há nada novo não,

a cobra ainda sai do ovo e se rasteja pelo chão.

e eu, como meus pais e meus avós,

ainda atado nesses nós de futebol e carnaval.


o homem já cagou na lua,

mas na minha rua ouço ecos nos botecos das esquinas.

onde poetas mortos ganham vida,

contam piadas repetidas do tempo das marchinhas.


não é nada contra antigas escrituras,

mas da arte em sepulturas só brotou fungo e capim.

nessa terra, plantando, tudo dá,

mas é preciso então plantar, pra não comer mais só jabá... com aipim.

sábado, 19 de abril de 2008

no cinema

Me olha como quem nunca me viu,

Me atravessa como se atravessam rios,

Fecha a porta, tudo atrás fica escuro,

Vai deixando no passado o que hoje era futuro,


Vai descendo aos poucos a escada,

E aos poucos tudo é nada, nada posso fazer.

Meus olhos na janela, os seus na rua;

Evaporam-se tuas lágrimas.


Duas semanas antes, no cinema,

Tive a intuição:

Choraste a toa ao ver uma cena

De um beijo firme e suave no fim.


Eu disse: boba, é só um filme,

Você disse com a voz trêmula: somos ficção.


Olhei um porta retrato antigo;

Algum de nós já não sentia aquele amor.

Seus lábios estão petrificados e encardidos

De alguma coisa que o tempo esconde dentro de nós.


E hoje, quando cheguei do escritório,

Me olhaste, e foi pela última vez.

Cansou-se da poeira do apartamento,

E de assistir sempre aos telejornais.


Me disse decididamente um “adeus”

Que reprimira, quando a esperança era quase amor,

E essa palavra veio em câmera lenta,

E eu demorei pra ouvir e entender: adeus.

Adeus.


Me olhou como quem nunca me viu,

Me atravessou como se atravessam rios,

Fechou a porta, permaneci escuro,

Foi deixando um presente que nunca aconteceu,


Foi descendo aos poucos a escada,

Quis gritar, mas não tive coragem.

Meus olhos na janela, os teus na rua;

Já não necessitas lágrimas, és sublimação.

terça-feira, 8 de abril de 2008

cruzeiro do sul

Sou amigo das estrelas desse céu mais azul,

tenho uma constelação junto ao cruzeiro do sul,

tenho os pés na terra, e a terra firme dentro de mim.


Mas inda brota a flor silente, ensangüentada em meu jardim.

O meu sangue é luso-negro, ítalo-guarani.

Minha força é meu apego, vingança, sucuri.

Meus olhos não esquecem a cor da carne dos meus avós.


Mas inda brinco de cantor, poeta, sou guri

miolo mole, cabeça dura de jabuti.

E a cachoeira deságua a mata em meu coração.


Mas persiste um dissonante dilema no ar

quando se encerra o cerrado em cinza, fogo e carvão.

Na arrevoada da garça branca do pantanal:

no entardecer haverão onças e cobras, ou escuridão?

Ou só escuridão?

Ou só escuridão?

segunda-feira, 31 de março de 2008

Tudo Lixo

Tudo Lixo


Impossível percorrer as ruas

Sem temer o brilho escuro das armas, o assalto,

A sombra da pobreza, suja do asfalto.


Impossível percorrer as ruas,

E mesmo em meu quintal confortável,

Minha residência habitual, há o improvável:

Toneladas de lixo espacial, espaçonave descartável

Pairando distraída sobre minha cabeça,

Eu esperando que algo aconteça

Com a cabeça endinheirada dos homens

(pensando nas flores extintas sem nomes).


Impossível percorrer meu peito

Sem esbarrar na pesada culpa

De ser parte do defeito,

De ser quem nada faz, só se preocupa.


Impossível não supor que o homem

Tem por natureza, por instinto,

Mais a voracidade que o pensamento.


Impossível esquecer que a carne

Que ostento em meus ossos e gestos indiscretos

Não será adubo, ou comida, ou carne,

Mas lixo funerário,

Engavetado, empilhado, emparedado no concreto.


Impossível tapar os olhos, fazer de conta.

Impossível não temer o amanhã que desponta.


Vento temporal

Vento temporal


Um vento incomum e urbano soprou meu rosto.

Um vento somente possível embaixo de certas mangueiras,

Ali, na rua da minha casa, naquele asfalto tosco.

Optei então por ouvir a cidade, assimétrica em suas maneiras

De reagir aos meus passos. Assimétrica no cheiro, no gosto

Da terra seca dos canteiros, nas flores feitas em fileiras.


Na esquina falava-se das coisas e seus defeitos.

A tesoura podava as plantas, que pretendiam-se jardim

Inútil jardim, realçando a assincronia em meu peito,

Já que a ordem e a desordem uniam-se, refletindo em mim.


No movimento natural de procurar alívio nas nuvens

Avistei duas pombas no alto do telhado, sobre os homens,

Uma branca, outra preta, praticamente iguais.

A plena mistura das cores nos céus ocidentais.

Este ocidente desencontrado, ainda procurando pureza,

Certo do tempo, certo do erro, certo da certeza.


Bebo e respiro este ocidente cinza, tenho-o na pele,

Ainda sob o ingênuo epíteto de cicatriz ou mancha,

Mesmo que carne da mesma carne, há algo que repele

E não se assume, e, longe do equilíbrio, se desmancha.


O ocidente do século vinte e um é o filho do meio,

E já não cabe distinção do puro, do feio.

É tempo da liberdade nas dimensões, até nas astrais.

É tempo da pomba cinza voando com suas asas atemporais.


O destino inda é incerto

Feito as perguntas infantis sem resposta,

Que reluzem no abismo, e, discreto,

Eu vou indo, dou as costas.

terça-feira, 25 de março de 2008

Encontro

Encontro

Na mansão mental que crio pra me encontrar puro

escondo-me, revelo minha própria face,

oculta na fumaça de um querer óbvio e sintético.

Visto a mascara e a liberdade por trás dela,

implícita nas costas da muralha.

Fundo-me ao meu, para depois fundir-me ao todo.


Descarto as verdades inúteis,

agarro-me fortemente à incerteza,

à consciência do nada-pleno.


Até o equilíbrio exige desequilíbrio pra ser equilibrado,

até o certo, não pode ser apenas certo, por risco de estar errado.


Estou firmemente convicto da minha verdade,

temporal, oscilante, fiel,

equivocada, mas necessária.


Estou firme no meu caminho,

beiradeando o meio, e não a ele preso.

Flutuante, condizente com a realidade-minha.


Estou firme na paz pós-sexo, pro amor,

assexual, tântrica de sorrisos, diálogo quase uno,

no meu plúri-orgasmo,

maxi-satisfação:

corpórea, extracorpórea.

Afinidade existencial:

encontro.


Poética liberdade,

hipotética paz,


sobrevoam,

pousam, leves em meus ombros.



segunda-feira, 24 de março de 2008

Quintal

Tenho um medo irreparável de acordar de um sono longo,

Olhar pela janela e ver uma imensa plantação acidental

da tradicional histórica cana de açúcar

Tomando prumo em meu quintal.


Medo do que os médicos têm a dizer

Ao olhar os exames que reluto em fazer.


Medo de me levantar numa manhã sem sol,

Sem o sol que cultivei, que me rega,

Sentir meu rosto, agora hirsuto, minha mão sem calos,

Meu sentir sem gosto, um abismo protuberante.


Despertar como quem sonhou com o paraíso dormindo na sarjeta.

sábado, 22 de março de 2008

À falta da palavra

O ouro que vale mais que olho e o olho do tolo.

A casa que vale mais que o concreto, o rejunte e o tijolo.

O beijo que vale mais que a boca na boca e a alma.

A espécie rara que vala mais que toda a fauna.

A mão certa, firmeza e rumo, certa forma de corrimão.

A sorte que prezo bem mais que o jogo.

O amor que, tamanho, dá três voltas no coração.

O "um" só que sou já não traduz o todo.

O "sim" tão óbvio que prescinde de "não".

O minuto que abriga os séculos e os séculos.

A presa que sangra, mas vence os tentáculos.

A certeza que teme perder-se em si ou no mar,

não pela dúvida, mas no pavor de imaginar.

O sorriso que compensa o preço dos dentes.

O "nós" que vale mais que o lado, e você que me ganha.

Superada a pesada culpa de ser inocente,

meus olhos, os teus: vale o riso, vale o peito, vale a manha.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Duas famílias

A minha fibra vem do berço:

O vô me deu um 38, a vó um terço.

Meu avô morto e enterrado

Na terra ácida e dura do cerrado.

A vó vagando muito e vivendo pouco.

Seu primogênito está ficando louco.


A casa velha foi vendida,

E o dinheiro nos partiu feito um machado.

A herança dividida,

E divididos, cada filho pra um lado.


Do outro lado, meu avô, um fugitivo.

A minha vó, uma guerreira com motivo.

E dona Anita, a matriarca firme e forte,

Nos une a todos, mesmo após a sua morte.

Mulheres fortes, homens de cabeça fraca,

Filhas e netas da bisavó, matriarca.


Não sei bem certo que sangue carrego,

A proporção, se é que sou mistura.

Se sou o peso e a força do machado cego,

Ou a beleza e a inocência da loucura.

esperando o dia



escura angústia afaga meu peito vasto

tamanha é minha fome, tão raro pasto

vagam animais selvagens, vagam, vãos

e me escapa o dia, o sol pelas mãos


vagos são meus sonhos, meus punhos

que há muito são sonhos, rascunhos

vasto é meu desejo, e a minha fuga

vasto é o verme, me dissolve e suga


mas na aurora de um dia febril

há de nascer uma rosa entre mil

perfumando o meu triste jardim

arranhando a casca dura de mim


no cantar do pássaro solitário

ouvirei a beleza de um canário

pousando no amanhecer tão alvo

trazendo boa nova: estou salvo!

segunda-feira, 17 de março de 2008

celerados

te desejo com meus segmentos mais celerados,
meus membros irracionais,
minhas febres, unhas, e em todos os estados.
sem plena satisfação: sempre mais.

te percebo nos vários sentidos:
tato,audição, visão e medo.
te seguro pois estamos perdidos
em mentiras, promessas e segredos.

somos a perene estrada entre ontem e amanhã,
sem razão, sem destino, e sem retorno.
somos a contra mão, o vermelho da maçã,
e eu já aceitei o seu suborno

te desejo com meu músculo mais puro,
que pulsa, indesejável, em meu peito,
e te arrisco, tiro no escuro,
pois se perder não é defeito.

37

há um homem grisalho no corredor.
as chaves feito um chocalho me causam terror.
seus passos, num compasso firme, eu ouço no coração.
vem cansado, suspirando a velha canção.

37 anos de poeira e de lama,
há 37 anos esse homem me chama.

ele vem buscar meus sonhos, minha juventude,
os meus quadros medonhos, tudo que não pude,
e não posso, mas eu tento em desespero,
porque é vosso o lamento, mas é meu enterro.

ah mãe, não apaga a luz,
faz comigo o sinal da cruz que eu esqueci.

sapatos gastos, e sorriso desbotado,
os punhos gastos, na porta ao meu lado.
ele sabe meu nome, ele está enjoado
de saber o meu inútil nome, meu fado.

e agora eu sou mais um homem no corredor,
eu sou teu homem, no corredor.

paisagem urbana



olho as ruas,
e nos meus olhos as pessoas também são as ruas.
olho os vazios urbanos, entre um edifício e outro.
o sinaleiro mudando de cor, o sol longe, mais longe.
olho procurando mais que ver,
olho procurando poesia,
já que sentido carece.

olho procurando avenidas na contra mão, nas paredes,
supondo um viaduto sem volta, ligando o ser ao céu.
depois de um longo tempo, para remover dos olhos o gesso.


Submarino

Submarino noctívago paira na fumaça dos meus sonhos.
Em águas turvas, profundezas e perigos medonhos.
Há um traidor entre seus amigos, o preferido.
E ele sabota teus desejos, trama escondido.

E enquanto a água invade, ele sobe para ver o céu nublado.
O céu do fim de tarde, das mãos sujas um agrado,
O perfume inato dos bebês, o extrato dos recém nascidos,
O presente cobiçado, suborno de deus.

Os olhos das caravelas te devoram, traidor.
Piratas imundos te desejam com ardor.
Tu és o dono do mar, do vale e do cume,
Mas esconda bem esse perfume.