segunda-feira, 31 de março de 2008

Vento temporal

Vento temporal


Um vento incomum e urbano soprou meu rosto.

Um vento somente possível embaixo de certas mangueiras,

Ali, na rua da minha casa, naquele asfalto tosco.

Optei então por ouvir a cidade, assimétrica em suas maneiras

De reagir aos meus passos. Assimétrica no cheiro, no gosto

Da terra seca dos canteiros, nas flores feitas em fileiras.


Na esquina falava-se das coisas e seus defeitos.

A tesoura podava as plantas, que pretendiam-se jardim

Inútil jardim, realçando a assincronia em meu peito,

Já que a ordem e a desordem uniam-se, refletindo em mim.


No movimento natural de procurar alívio nas nuvens

Avistei duas pombas no alto do telhado, sobre os homens,

Uma branca, outra preta, praticamente iguais.

A plena mistura das cores nos céus ocidentais.

Este ocidente desencontrado, ainda procurando pureza,

Certo do tempo, certo do erro, certo da certeza.


Bebo e respiro este ocidente cinza, tenho-o na pele,

Ainda sob o ingênuo epíteto de cicatriz ou mancha,

Mesmo que carne da mesma carne, há algo que repele

E não se assume, e, longe do equilíbrio, se desmancha.


O ocidente do século vinte e um é o filho do meio,

E já não cabe distinção do puro, do feio.

É tempo da liberdade nas dimensões, até nas astrais.

É tempo da pomba cinza voando com suas asas atemporais.


O destino inda é incerto

Feito as perguntas infantis sem resposta,

Que reluzem no abismo, e, discreto,

Eu vou indo, dou as costas.

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