Vento temporal
Um vento incomum e urbano soprou meu rosto.
Um vento somente possível embaixo de certas mangueiras,
Ali, na rua da minha casa, naquele asfalto tosco.
Optei então por ouvir a cidade, assimétrica em suas maneiras
De reagir aos meus passos. Assimétrica no cheiro, no gosto
Da terra seca dos canteiros, nas flores feitas em fileiras.
Na esquina falava-se das coisas e seus defeitos.
A tesoura podava as plantas, que pretendiam-se jardim
Inútil jardim, realçando a assincronia em meu peito,
Já que a ordem e a desordem uniam-se, refletindo em mim.
No movimento natural de procurar alívio nas nuvens
Avistei duas pombas no alto do telhado, sobre os homens,
Uma branca, outra preta, praticamente iguais.
A plena mistura das cores nos céus ocidentais.
Este ocidente desencontrado, ainda procurando pureza,
Certo do tempo, certo do erro, certo da certeza.
Bebo e respiro este ocidente cinza, tenho-o na pele,
Ainda sob o ingênuo epíteto de cicatriz ou mancha,
Mesmo que carne da mesma carne, há algo que repele
E não se assume, e, longe do equilíbrio, se desmancha.
O ocidente do século vinte e um é o filho do meio,
E já não cabe distinção do puro, do feio.
É tempo da liberdade nas dimensões, até nas astrais.
É tempo da pomba cinza voando com suas asas atemporais.
O destino inda é incerto
Feito as perguntas infantis sem resposta,
Que reluzem no abismo, e, discreto,
Eu vou indo, dou as costas.
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